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domingo, 21 de janeiro de 2018

A polêmica sobre a prisão especial


Por Antonio Carlos Lua

Alvo recorrente de controvérsias, a prisão especial volta ao centro do debate demandando questionamentos e interpretações divergentes.

Uma corrente de juristas entende que não existe autorização constitucional para separar cidadãos presos porque uns são mais instruídos do que outros. 

Afirmam que o privilégio não é compatível com a Constituição Federal e, portanto, não deveria ser recepcionado no ordenamento jurídico.

O mesmo entendimento tem o Ministério Público Federal, que chegou a protocolar, no Supremo Tribunal Federal, a chamada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), sustentando que o dispositivo contribui para a perpetuação da seletividade do Sistema de Justiça Criminal, reafirmando a desigualdade e violando os princípios da dignidade humana e da isonomia.

Ou seja, não haveria razão nem critério razoável para se proceder à distinção estabelecida no inciso VII do artigo 295 do Código de Processo Penal (CPP), que confere prisão especial a detentores de diploma de curso superior. 

Para alguns especialistas, o procedimento apresenta uma visão equivocada, mostrando que o nosso grau de atraso se mede quando o próprio ordenamento jurídico reconhece que existe desigualdade.

A prisão especial, nesse caso, seria um reflexo da história da formação da sociedade brasileira, marcada por outros exemplos de distinção entre classes, como no Império, quando apenas militares ou homens ricos podiam votar. 

O entendimento é de que o quadro exposto retrata um Brasil dividido por castas, em matéria de prisão cautelar: os comuns, os especiais e os super especiais.

Nada disso seria compatível com a igualdade de todos os brasileiros perante a lei, uma vez que o cuidado com a prisão provisória deve existir, porém, voltado à pessoa do criminoso (o que fez, quem é e qual seu passado em matéria criminal). 

Assim, a separação, por cautela e para preservação da dignidade e da vida humana, somente devem ser acolhidas quando disserem respeito a fatos e não a títulos.

A prisão especial seria também incompatível com o princípio da isonomia. Afinal, qual seria a diferença entre um preso provisório – ainda considerado inocente – com diploma e outro preso provisório sem diploma – também ainda considerado inocente? 

Alguns juristas, no entanto, entendem que o nosso sistema penal é complexo e simplesmente revogar o dispositivo que estabelece a prisão especial para quem tem curso superior poderia trazer implicações sérias, como os efeitos de se colocar um preso acusado de um crime menos grave em um local dominado por facções.

Argumentam que a prisão especial encontra respaldo nos princípios da isonomia e da presunção de inocência e que sua aplicação em local separado dos presos com condenação definitiva deveria valer para todos os presos provisórios. 

Nesse caso, a ilegalidade estaria em não se conceder o benefício a todos, faltando uma lei para regulamentar a extensão da prisão especial.

A prisão especial foi regulamentada em 1937, ano em que o então presidente Getúlio Vargas deu início à implantação do regime denominado Estado Novo (1937-1945), período definido como a ditadura da Era Vargas, quando originou-se um contexto antidemocrático, de supressão de garantias fundamentais e manutenção de privilégios sem respaldo na igualdade substancial entre cidadãos.

Em 1941, o Código de Processo Penal (CPP) determinou as condições para alguém ser conduzido a quartéis ou à prisão especial, entre elas ter diploma de curso superior reconhecido no país. 

Algumas alterações foram feitas desde então, ampliando os efeitos do dispositivo, a exemplo do que ocorreu em 1957, quando prefeitos e vereadores, mesmo sem diploma, passaram a ser beneficiados com a prisão especial.

Em 2001, uma nova lei definiu o que é uma prisão especial diferenciando a mesma da prisão comum. Na prática, a prisão deve ser igual a qualquer outra, mas separada das demais e ocupada somente por presos que se enquadrem nos critérios estabelecidos.

O Código de Processo Penal diz que a cela pode ser um alojamento coletivo. A norma determina que, se não houver estabelecimento específico para o “preso especial”, ele somente deve ficar em uma cela distinta, mas na mesma unidade, não podendo ser transportado com os presos comuns. Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

A prisão especial só vale para preso provisório. Todas as determinações constam no artigo 295 do Código de Processo Penal, onde está estabelecido que as prisões especiais são válidas apenas para pessoas antes de condenação definitiva, condição em que se encontram os presos provisórios.

Alguém é preso provisoriamente quando a Justiça entende que a medida é necessária, por exemplo, para evitar a fuga do país, quando há risco para a sociedade ou quando as investigações podem ser comprometidas caso o suspeito fique em liberdade. 

Se o preso for julgado e considerado culpado, as regras para a prisão mudam e muitas das determinações para prisão especial deixam de valer. 

Nesse caso, presos já condenados serão separados de acordo com a gravidade do crime praticado e se a integridade física, moral ou psicológica for ameaçada em razão da convivência com os demais presos, conforme prevê a Lei de Execução Penal, que regula como as sentenças e penas devem ser aplicadas. 

Um preso considerado especial, portanto, pode, após a condenação, ser transferido depois para uma unidade ou cela em que dividirá espaços com presos sem diplomas. De acordo com o ‘Institute for Criminal Policy Research’, que pesquisa sobre as estruturas judiciais no mundo, não existe sistema prisional em nenhum país no planeta que separe prisioneiros pelo seu nível de educação.

Se a existência dos privilégios da prisão especial para um determinado grupo de indivíduos é ou não justa e constitucional, cabe a reflexão. 

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