Translate

terça-feira, 5 de março de 2019

A atuação política e eclesiástica de dom Ivo Lorscheiter

Antonio Carlos Lua

As recentes notícias sobre a espionagem na Igreja Católica do Brasil pelo Palácio do Planalto relembram o período ditatorial do país – 1964 a 1985. 

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, disse que o Governo Bolsonaro está “preocupado e quer neutralizar” o debate do Sínodo da Amazônia. 

O evento  que tem como tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral"  é uma resposta do Papa Francisco à realidade daquela porção do Povo de Deus, especialmente os indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno por causa da crise da Floresta Amazônica, pulmão de capital importância para nosso planeta.

O fato nos faz lembrar os tempos da ditadura militar, quando alguns religiosos como dom Ivo Lorscheiter, dom Paulo Evaristo Arns e dom Hélder Câmara eram vistos como possíveis inimigos a serem vigiados e perseguidos pelo governo militar.

Quando as medidas mais repressivas dos Anos de Chumbo estavam instauradas, dom Ivo Lorscheiter – ex-bispo auxiliar de Porto Alegre (RS) e ex-bispo da Prelazia gaúcha de Santa Maria – optou claramente por um lado e definiu sua atuação como oposição e resistência a um governo autoritário, discordando das torturas e violações dos direitos humanos.

Seus movimentos o tornaram visado tanto para aqueles que viam nele um porto-seguro contra a ditadura, como para os militares que viam nele um ferrenho opositor, pela sua atuação eclesiástica, política, social, e pela sua luta em defesa dos direitos humanos.

Dom Ivo Lorscheiter foi o último bispo brasileiro nomeado pelo papa Paulo VI, no decorrer do Concílio Vaticano II, em 1965. Foi secretário-geral e depois presidente da CNBB, durante o período mais obscuro do Regime Militar Brasileiro.

Na época, apoiou vários defensores da Teologia da Libertação, além de bispos e sacerdotes progressistas, entre eles o seu próprio primo, o cardeal Aloísio Lorscheider, que foi por muito tempo arcebispo de Forlaleza (Ceará). 

Em sua gestão na CNBB, assuntos como reforma agrária, orientações sobre atuação política, organizações populares, comunidades eclesiais de base (CEBs), Teologia da Libertação, entre outros, pautavam os diálogos institucionais na Igreja. 

Um bom número de bispos, entre eles o poeta, profeta do povo e bispo emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (Mato Grosso), dom Pedro Casaldáliga, apropriavam-se destes temas sociais e tinham dom José Ivo Lorscheider como um referencial.

Dom Ivo Lorscheiter adotou verdadeiramente o seu lema episcopal 'Nova et Vetera', ou seja “Coisas novas e Velhas”, passagem bíblica extraída de Mateus 13,52. Desafiou-se ao “novo” e discordou quando o papa João Paulo II e o cardeal Ratzinger manifestaram-se contrários à Teologia da Libertação e à atuação do então frei Leonardo Boff no Brasil.

Seu maior desafio foi o de defender seus posicionamentos diante de um governo autoritário, tendo a coragem de dizer o que pensava com a audácia profética, apoiar as causas dos pobres, dos perseguidos, dos injustiçados, desafios permanentes em um período de chumbo.

Ele fez a CNBB assumir uma audaciosa coragem, sem com isso perder a Caridade. Sua vida se dividiu em anunciar, denunciar e esperançar. Anunciou o Amor de Deus para todos e todas, denunciou as injustiças que o povo sofreu pelos ditadores e esperançou tempos de paz, solidariedade, fraternidade, vida digna. 

Esse tripé de anúncio-denúncia-esperança são os mais célebres ensinamentos de dom Ivo Lorscheider em vida. Mesmo depois de 12 anos de sua Páscoa definitiva, completados nesta terça-feira (5), seus exemplos repercutem na vida daqueles que acompanharam a sua trajetória. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário