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domingo, 5 de outubro de 2025

Efeitos da globalização assimétrica

Antonio Carlos Lua

A distância entre as nações foi reduzida, mas a elite de super-ricos no mundo continua isolando-se cada vez mais, deixando claro que as injustiças não são naturais, mas cuidadosamente produzidas. A desigualdade entre os seres humanos aumentou vertiginosamente. Persistem grandes abismos. Os pobres são deixados para trás em todos os países. O aumento da desigualdade avança em espiral. A globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo, atingindo inclusive os Estados Unidos, referência econômica no cenário internacional.

O resultado é uma corrida para baixo com a desigualdade sendo um desastre moral cada vez mais chocante. Os oito indivíduos mais ricos do mundo concentram riqueza equivalente ao patrimônio dos 3,8 bilhões de pessoas que formam a camada mais pobre da população mundial, ou seja, 50% dos habitantes do planeta. Os dados não surpreendem. É uma tendência progressiva e irrefreável. A cada dois dias surge um bilionário. As fortunas aumentam 2,5 bilhões de dólares por dia.

Os Estados Unidos integram a escalada de distorções, registrando uma desigualdade com efeitos devastadores em termos de desenvolvimento social e bem-estar coletivo. Para além das meras estatísticas sobre o Produto Interno Bruto (PIB), existem hoje nos Estados Unidos mais de 20 milhões de pobres, dos quais 13 milhões em pobreza absoluta, desprovidos de assistência, num empobrecimento brutal e generalizado.

Em vários indicadores de desenvolvimento social os Estados Unidos aparecem em posição desconfortável em relação a outros países considerados ricos – e, às vezes, lado a lado com nações em desenvolvimento, sendo considerado 40º do mundo em desigualdade, atrás de alguns países latino-americanos, como Chile e Costa Rica, mostrando uma incrível diferença no bem-estar entre os pobres latino-americanos e os norte-americanos com mais recursos. A expectativa de vida dos americanos sem educação superior é equivalente à dos cidadãos do Paquistão, Butão e Mongólia.

Os números sobre mortalidade infantil – dados de crianças que morrem por mil nascidos vivos – é outro indicador clássico que coloca os Estados Unidos no 44º lugar do mundo, com índices inferiores ao de Cuba, Bósnia e Croácia. A taxa de mortalidade infantil entre os norte-americanos é semelhante à de Togo, na África, e da Ilha de Granada, no Caribe. 

O bem-estar das crianças norte-americanas também é colocado em xeque quando são considerados indicadores de pobreza infantil. Um estudo do Unicef – que comparou a situação de crianças em 35 países de economia avançada – coloca os Estados Unidos no penúltimo lugar. O indicador de pobreza infantil relativa, que mede a porcentagem de crianças que vivem em uma família cuja renda – ajustada ao tamanho e à composição da família – é inferior a 50% da renda média nacional, registrando 23,1% das crianças norte-americanas nesta situação.

Desde o início do Século XXI, foi registrado nos Estados Unidos um aumento nos índices de mortalidade materna, cuja taxa passou de 17,5 mortes por mil nascimentos, para 26,5 óbitos com a mesma quantidade de nascimentos. No relatório mais recente da ONU sobre Drogas e Crime, os Estados Unidos aparecem com uma taxa de homicídio de 4,88 óbitos por 100 mil pessoas, o que o coloca o país em 59º lugar no mundo. Esse número contrasta com o de países europeus, como Áustria (0,51), Holanda (0,61), Canadá (1,68) e até a Albânia (2,28) e Bangladesh (2,51).

Os Estados Unidos sediam as melhores universidades do mundo. Mas isso não significa que a formação média dos americanos esteja à altura desses centros de excelência. No teste sobre a capacidade de leitura, entre aqueles que não haviam terminado o ensino médio, os americanos ficaram entre os cinco países com os piores resultados. Entre aqueles que completaram esse nível de estudos, o país ficou abaixo da média de todos.

Na avaliação das habilidades numéricas, os americanos ficaram consistentemente abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico nos três níveis educacionais estudados. Além disso, o país ficou na lanterna em dois níveis: entre os que não terminaram o ensino médio e aqueles que concluíram esta etapa.

Na União Europeia, a situação também é ruim, mas se tomada como um conjunto de países é menos grave que a dos Estados Unidos. Tratando-se de desigualdade, as nações europeias têm índices melhores que os EUA, mas socialmente insignificantes. Na China, a desigualdade é semelhante à verificada na África do Sul, com os 10% mais ricos ficando com 60% da renda. A Índia acumula diversos bilionários, mas continua sendo o país com mais pobres no mundo.

Não é uma coincidência o aumento da desigualdade no mundo. Ela é uma consequência das políticas do receituário neoliberal, palavra que se tornou uma arma retórica, uma ideologia que venera o mercado, desregula economias ao redor do mundo e nos afasta das coisas que nos tornam humanos.

Colonialismo e eurocentrismo

Antonio Carlos Lua

Os séculos de colonização e eurocentrismo – que fizeram predominar no Brasil a centralidade e a superioridade da visão europeia sobre as outras visões de mundo com a imposição da cultura, língua, religião e valores do Hemisfério Norte – não conseguiram esconder a forte presença dos escritores negros Machado de Assis, Lima Barreto, Nei Lopes, Muniz Sodré, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves, Abdias do Nascimento, Silviano Santiago e o líder abolicionista, Luiz Gama.

Machado de Assis, por exemplo, usou 23 pseudônimos nos jornais para atirar petardos nas correntes políticas retrógradas e antiabolicionistas que atribuíram a ele maldosamente um falso embranquecimento.

Na mesma linha de Machado de Assis, o escritor Abdias do Nascimento denunciou o silencioso projeto de genocídio do negro brasileiro em diversos livros de sua autoria.

Morto, em maio de 2011, Abdias do Nascimento nadou contra a corrente do rio da mestiçagem do escritor Gilberto Freyre que, na sua obra “Casa Grande&Senzala, camuflou a memória do passado africano e negou a alteridade e a dignidade dos afrodescendentes.

Embora reconhecendo a contribuição africana para o Brasil, Gilberto Freyre suavizou os aspectos violentos da escravidão, destacando a miscigenação como um fator de harmonia e integração racial, minimizando o sofrimento dos negros, a violência e a crueldade da escravidão.

Dando ênfase a miscigenação como fator de integração racial, ele tentou obscurecer a importância da cultura e da identidade afrobrasileira amenizando a crueldade dos brancos na manutenção do sistema escravista.

Gilberto Freyre deu, também, pouca atenção à resistência negra à escravidão, contribuindo, assim, para a construção de um mito de harmonia e democracia racial no Brasil.

Em contraposição a essa falsa ideia, o escritor Lima Barreto utilizou o jornalismo como arma de denúncia para a mudança da consciência nacional, desmascarando o preconceito para que a liberdade de viver dos negros não continuasse sendo limitada pelo racismo.

Denominado um país multiétnico, o Brasil esqueceu deliberadamente dos pioneiros autores negros e insiste em pintar até hoje um retrato ambíguo dos escritores e jornalistas afro-brasileiros que, pela cor da pele, tiveram acesso limitado ao ensino e se tornaram autodidatas, adquirindo conhecimento de forma independente.

Pobre, negro e epilético, Machado de Assis, por exemplo, enfrentou enormes dificuldades em condições completamente adversas para que se tornasse, ainda em vida, um dos mais célebres escritores brasileiros de todos os tempos.

Outro escritor e jornalista que também sofreu com o racismo foi Lima Barreto que, a exemplo de Machado de Assis, pagou caro para levar adiante a sua carreira de jornalista e escritor.

Considerado um autor de subúrbio, ele sofreu discriminação racial, sendo acusado de tudo, inclusive de desleixo verbal e falta de profundidade psicológica.

Negro num Brasil eugênico, Lima Barreto testemunhou, aos 7 anos, a abolição da escravatura. Ele faleceu aos 41 anos – meses depois da Semana de Arte Moderna.

No livro “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, Lima Barreto denunciou a hipocrisia da sociedade brasileira, que relegou os negros ao campo dos subalternos. Ele combateu energicamente o mito da escravidão benigna, que de benigna mesmo não tinha nada.

Infelizmente, o olhar racista no Brasil persiste até hoje, ignorando e não reconhecendo o papel de muitos escritores e jornalistas negros com uma história diretamente associada à resistência protagonizada em mais de 400 anos de escravidão num país que – desde quando recebeu o primeiro europeu e se tornou uma colônia do Império extramarítimo lusitano – forjou modos de viver baseados na expropriação, repressão e desigualdade, insuflando um sentimento despótico no país.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos, mas, no entanto, continua persistindo um enorme fosso entre o espírito dessas leis e a efetiva implementação da legislação de combate ao racismo no país.

Mesmo com o arcabouço legal estimulado pela Constituição Federal, promulgada em 1988, o crime de racismo continua sendo tratado de forma inadequada no Brasil, onde o ódio racial contra a população negra existe desde que o primeiro navio negreiro aqui chegou.

É importante frisar que há uma ambiguidade presente no período pós-abolição. Hoje, não é negado aos negros o direito de serem livres, mas lhe são negadas condições dignas de vida, repetindo-se, muitas vezes, lógicas semelhantes à da escravidão com práticas racistas, sejam elas explícitas ou não.

A linha tênue que separa realidade e ficção

Antonio Carlos Lua 

Mesmo com a crise no mercado editorial impresso internacional que obrigou muitas livrarias a fecharem as portas, a literatura continua cada vez mais perto das pessoas proporcionando conhecimento com o incontestável caráter visionário de algumas obras, onde a ficção consegue ser um espelho da realidade com as acertadas previsões de escritores sobre o futuro da humanidade.

A linha que separa ficção e a realidade pode ser mais tênue do que se imagina. No entanto, a fronteira entre o que é real e o que é inventado pode se tornar cada vez mais difusa, convidando o leitor a refletir sobre a natureza da verdade e da realidade. Antecipando cenários, a literatura se torna um instrumento poderoso para entender melhor a nós mesmos e ao mundo que se movimenta ao nosso redor.

As revelações do escritor britânico, George Orwell, no livro “1984”, por exemplo, foram amplamente difundidas pelo mundo. Escrito em 1948 – ano que corresponde ao inverso do nome do livro – a obra antecipou a existência de uma sociedade constantemente vigiada, seja através de câmeras espalhadas em todos os ambientes, seja através dos próprios olhares dos cidadãos. O tema abordado por George Orwell foi resgatado, em 1975, sob o conceito do panóptico de Michael Foucault, na obra “Vigiar e Punir”. A expressão Big Brother (Grande Irmão), utilizada na obra de George Orwell, e que traduz essa visibilidade excessiva, foi incorporada décadas depois pelo ‘reality show’ mais famoso do mundo, o “Real World”, lançado em 1992.

Outro autor consagrado por sua literatura futurista e que acabou por prever muitas conquistas no mundo foi Isaac Asimov. Ele antecipou, por exemplo, a criação de uma rede de computadores na qual todos os humanos estariam conectados, tal qual a internet, e dedicou atenção especial à robótica.

Isaac Asimov dedicou obras inteiras ao tema e um de seus livros mais conhecidos – a coletânea de contos “Eu, Robô” – discorre sobre a evolução dessas máquinas através do tempo. Outro a prever o futuro, com guerras, tanques, bombardeios aéreos e bombas nucleares foi o escritor H. G. Wells, autor do consagrado “A Guerra dos Mundos”.

Considerado um dos mais antigos visionários da literatura mundial, Julio Verne relatou, em 1869, em seu livro “Vinte Mil Léguas Submarinas”, uma máquina capaz de se locomover com um combustível eficiente e inesgotável. Sua “profecia” concretizou-se oito décadas depois, com a criação do primeiro submarino movido à propulsão nuclear.

Os dons proféticos de Julio Verne não pararam por aí. No livro “Da Terra à Lua”, ele descreve uma viagem espacial que quatro anos mais tarde também se concretizaria com a experiência norte-americana Apollo, que levou o homem pela primeira vez à Lua.

Douglas Adams, no livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias” também fez previsões sobre novidades tecnológicas e até mesmo sobre o surgimento da Wikipédia, uma enciclopédia de conhecimentos construída de forma coletiva e compartilhada.

Arthur Clarke foi outro escritor que antecipou invenções, a exemplo dos Tablets e Ipads. Em seu livro “2001: Uma Odisséia no Espaço”, ele discorre sobre um computador usado para exibir conteúdo de jornais atualizados automaticamente – o Newspad – que se parece muito com os atuais Ipads até mesmo no nome.

No livro “A Cidade e as Estrelas”, Arthur Clarke chegou a imaginar um jogo de realidade virtual dois anos antes do lançamento do primeiro jogo para videogame, em 1958.

Ele descreve a forma de lazer como um sonho, no qual não é possível se distinguir ficção de realidade. Infelizmente, Arthur Clarke não soube aproveitar os dons proféticos em benefício próprio.

Em 1945, ele apresentou um artigo defendendo os satélites como forma de melhorar as telecomunicações, mas não patenteou a ideia e perdeu uma fortuna. Outro escritor que colecionou uma lista de previsões que se concretizaram depois foi Aldous Huxley. Dentre suas previsões mais notáveis está sua descrição sobre a manipulação genética e a clonagem na obra “Admirável Mundo Novo”.

O que se constata é que os escritores possuem um alto grau de sensibilidade que os conectam com outros estágios e formas de percepção da realidade. Eles são capazes de enxergar e analisar não apenas o presente mas também o futuro, prevendo tendências e antecipando mudanças.

Dimensões éticas da liberdade de expressãoA

Antonio Carlos de Oliveira

A liberdade de expressão tem sido amplamente debatida no Brasil contemporâneo, especialmente quanto aos seus limites e à sua inter-relação com outros direitos fundamentais, como a honra, a dignidade e os pilares da democracia. Trata-se de um tema que desperta intensas discussões, marcadas por posicionamentos divergentes sobre os possíveis excessos e restrições desse direito.

A Constituição Federal de 1988 consagra a lib
erdade de expressão como um direito fundamental, indispensável à dignidade da pessoa humana e ao funcionamento pleno do regime democrático. No entanto, como todo direito, sua aplicação não é absoluta. Ela encontra limitações no necessário respeito a outros direitos igualmente fundamentais, como a proteção à honra, à imagem e à integridade moral, além da vedação a manifestações que configurem discurso de ódio ou incitação à violência.

O debate sobre a liberdade de expressão é multifacetado e exige constante reflexão teórica e jurídica, pois envolve o desafio de compatibilizar direitos potencialmente conflitantes. A ponderação entre esses valores é imprescindível para assegurar tanto a livre manifestação do pensamento quanto a proteção de indivíduos e grupos sociais contra abusos.

A concepção da liberdade de expressão como um direito humano universal ganhou relevância no cenário internacional após a Segunda Guerra Mundial, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Tal documento consolidou princípios jurídicos e filosóficos que foram desenvolvidos ao longo dos séculos, especialmente a partir do Iluminismo europeu e norte-americano do Século XVIII.

O Iluminismo – movimento intelectual caracterizado pela valorização da razão, da ciência e dos direitos individuais – estabeleceu as bases filosóficas da liberdade de expressão como elemento essencial para o progresso social. Autores como John Locke, Voltaire, Rousseau e Diderot defenderam que o livre debate de ideias era condição ‘sine qua non’ para o aprimoramento moral e político da sociedade.

Nesse contexto, a liberdade de expressão não apenas favorecia o desenvolvimento do indivíduo, como também era vista como instrumento de crítica social e de controle do poder político. A imprensa e, por extensão, o jornalismo moderno emergiram nesse cenário como ferramentas cruciais para a disseminação das ideias iluministas. O jornalismo passou a ser concebido como uma atividade de interesse público, orientada pela busca da verdade e pela função educativa.

Ao proporcionar acesso à informação, ele contribuiu para a formação de uma opinião pública crítica e participativa — valores centrais para os ideais iluministas. Assim, ficou estabelecida uma relação simbiótica entre o Iluminismo e o jornalismo. Ao valorizarem a razão e a liberdade, os princípios iluministas moldaram a atuação jornalística como prática comprometida com a objetividade, a imparcialidade e a responsabilidade social.

Por outro lado, o jornalismo se tornou um canal efetivo de divulgação e consolidação dos valores iluministas na esfera pública. Exemplos históricos ilustram essa interdependência.

Intelectuais como Voltaire e Diderot utilizaram a imprensa para contestar estruturas autoritárias e promover uma cultura de reflexão crítica. Essa prática contribuiu decisivamente para a transformação das instituições sociais e políticas, além de fomentar o pensamento ilustrado entre diferentes camadas da população. No cenário contemporâneo, o jornalismo segue desempenhando papel central na consolidação democrática, ao garantir o acesso à informação e estimular o debate público plural.

No entanto, para que essa função seja plenamente exercida, é imprescindível que a liberdade de imprensa — entendida como manifestação concreta da liberdade de expressão — seja efetivamente protegida e respeitada. Em síntese, a liberdade de expressão representa um pilar civilizatório construído historicamente, cuja importância transcende o campo jurídico e alcança dimensões éticas, filosóficas e sociais. Sua preservação – nos marcos do Estado Democrático de Direito – é essencial para assegurar uma sociedade plural, informada e participativa.

O inferno atômico em Hiroshima e Nagasaki

Antonio Carlos Lua 

O mês de agosto marca uma das maiores tragédias da humanidade com a cruel devastação, em 1945, das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com o lançamento, pelos Estados Unidos, das bombas atômicas "Little Boy" – com urânio – sobre Hiroshima, e "Fat Man" – com plutônio – sobre Nagasaki, causando uma destruição generalizada num acontecimento trágico que mudou o curso da história mundial, deixando uma marca indelével.

A bomba atômica "Little Boy" – lançada pelo bombardeiro B-29 ‘Enola Gay’ – explodiu com uma força equivalente a 15 mil toneladas de TNT, destruindo quase 90% da cidade de Hiroshima, matando instantaneamente cerca de 70 mil pessoas.

Nos anos seguintes, milhares de japoneses morreram devido às lesões e doenças causadas pela radiação, elevando o número de mortos para aproximadamente 200 mil pessoas, com os efeitos a longo prazo da radiação. 

O lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foi um divisor de águas, levando o Japão à rendição incondicional, encerrando o conflito no Pacífico e, consequentemente, a Segunda Guerra Mundial.

A devastação causada pelas ogivas atômicas serve até hoje como um alerta para a humanidade sobre os perigos da guerra nuclear, levantando questões éticas profundas com os horrores que as armas infligem aos civis inocentes.

Hoje, não podemos ignorar a ameaça persistente das armas atômicas em um mundo cada vez mais complexo, bélico e instável, onde as tensões entre as grandes potências mundiais aumentam o risco de um conflito nuclear global, que se constitui hoje uma ameaça constante que paira sobre nós, sendo uma possibilidade mais real do que nunca.

As cicatrizes de Hiroshima e Nagasaki – únicas cidades do mundo que sofreram o trágico destino da morte nuclear, tornaram-se memoriais de como o homem pode ser capaz de uma destruição inacreditável – perduram até hoje, mostrando que continuamos pedalando sem corrente com o cretinismo moral das grandes potências mundiais.

Intrinsecamente unidas, Hiroshima e Nagasaki escancararam o horror e o sofrimento produzido pela guerra. Os santuários onde repousam os moradores das duas cidades japonesas que se sacrificaram a serviço de seu país – sendo vítimas inocentes da fúria destrutiva do extermínio – mostram claramente o desprezo pelo ser humano e por seus direitos invioláveis com os atos mais indignos e cruéis. 

O fato nos leva hoje a uma profunda reflexão em meio a insana e insensata corrida armamentista nuclear, que pode levar o mundo a uma catástrofe num momento aterrorizante com potências atômicas fazendo ameaças intoleráveis contra a humanidade num contexto de crescentes tensões internacionais e de erosão dos acordos de desarmamento.

Os fatos falam por si. Hoje existem mais de 12 mil ogivas disponíveis para as nove potências nucleares, das quais quatro mil estão ativas. Os conflitos que as envolvem estão na Ucrânia, passando pelo Oriente Médio, até as escaramuças entre a Índia e o Paquistão entre ameaças nucleares que os Estados Unidos e a Rússia trocam num mundo em fragmentação. Infelizmente, a presença atroz da guerra voltou a ocupar tragicamente a cena mundial, ressoando as palavras que Freud dedicara à Grande Guerra do século passado que aos seus olhos encarnava a tendência agressiva, gananciosa, autoafirmativa do humano que vive o outro como um obstáculo à sua realização.

O embate bélico entre países que hoje encontram sua razão inconsciente nessa indomável pulsão agressiva coloca a humanidade sob ameaça, degradando a dignidade dos seres humanos.

A lembrança das bombas atômicas "Little Boy" e "Fat Man" – que devastaram Hiroshima e Nagasaki – nos convida a refletir até hoje sobre os impactos catastróficos que a ação humana pode ter sobre o planeta. À medida que o tempo avança, nos deparamos com ameaças que, embora de natureza diferente, têm o potencial de serem igualmente destrutivas.

A humanidade está perdendo sua bússola moral


Antonio Carlos Lua 

O mundo vive hoje sob a égide de um sistema financeiro global que, ao expandir-se sem regulação, assumiu autonomia em relação aos princípios humanitários.

A concentração extrema de riqueza e a financeirização das relações sociais transformaram o capital em uma força que atravessa a economia, moldando políticas, conceitos éticos e normas civis, abrindo espaço para uma sociedade planetária marcada por profundas desigualdades, sofrimento em massa e uma bancarrota moral que compromete a dignidade humana. 

Dados contundentes evidenciam o fosso. Hoje, os 10% mais ricos detêm 76% de toda a riqueza global, enquanto a metade mais pobre da população mundial carrega apenas 2%. 

Em termos práticos, cerca de 3,8 bilhões de pessoas vivem com uma fração ínfima dos recursos disponíveis, enquanto uma pequena elite acumula fortunas inacreditáveis — muitas vezes geradas à custa da exploração de territórios, da precarização do trabalho e da extração predatória de recursos naturais em países pobres. 

Longe de ser nova, essa realidade foi agravada pela globalização neoliberal. Nações do Sul Global, outrora designadas como “em desenvolvimento”, seguem submetidas a lógicas extrativistas e a dívidas com instituições financeiras internacionais.

Em vez de apoio ao crescimento soberano, essas nações recebem políticas de austeridade que desmantelam serviços públicos e reduzem investimentos sociais, aprofundando dependência, pobreza e desigualdade.

Na África Subsaariana, mais de 40% da população vive com menos de US$ 2,15 por dia, segundo dados do Banco Mundial. Na América Latina, mais de 22 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema, desfazendo décadas de avanços sociais. No Brasil, o IBGE aponta que mais de 70 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar.

Diante desse quadro, é legítimo afirmar que o capital, quando desprovido de responsabilidade social, assume feições tirânicas. Um sistema que deveria servir à coletividade transforma-se em uma estrutura de dominação, na qual a lógica do lucro se sobrepõe à vida. Assim, o trabalho humano é precarizado, a natureza é exaurida e o sofrimento torna-se invisível aos olhos de quem lucra.

Não se trata apenas de um problema econômico. Trata-se de uma crise ética e civilizatória. A financeirização da vida dita políticas públicas, molda decisões geopolíticas e redefine até mesmo os critérios de dignidade.

Assim, a humanidade está perdendo sua bússola moral com os pobres sendo reduzidos a estatísticas, tratados como externalidades do sistema e descartados como peças substituíveis com uma desumanização institucionalizada.

Ao permitir que o capital fuja do controle democrático e ignore os pactos de justiça social, o mundo aproxima-se de um ponto de inflexão. A desigualdade tornou-se uma ameaça existencial.

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, já alertou, em 2023, que a instabilidade social causada pela concentração de riqueza pode comprometer a sustentabilidade das democracias e do mercado global.

Para enfrentar esse desafio, não basta apontar apenas problemas. É preciso propor respostas claras, repensando a arquitetura econômica internacional, taxando grandes fortunas, coibindo paraísos fiscais, regulamentando o poder das grandes corporações tecnológicas e financeiras, além de reconstruir políticas públicas de base com foco em redistribuição de renda, equidade racial, inclusão de gênero e justiça climática.

Caso contrário, a tirania do capital continuará a sacrificar o bem-estar coletivo em nome de um crescimento que não distribui, não emancipa e não respeita a dignidade humana.

A disputa que molda o século XXI

Antonio Carlos Lua

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos consolidaram-se como a maior potência do planeta, liderando não apenas pelo seu poderio militar, mas também pela força econômica, tecnológica e cultural. O século XX foi marcado pela consolidação dessa hegemonia norte-americana, que encontrou no período da Guerra Fria sua expressão mais contundente. Após a queda da União Soviética, em 1991, os Estados Unidos emergiram como potência unipolar, influenciando diretamente a política internacional, os organismos multilaterais e o mercado global.

No entanto, o século XXI trouxe mudanças significativas. A China — que durante décadas viveu sob uma economia planificada e fechada — passou por uma transformação profunda a partir das reformas de Deng Xiaoping, nos anos 1980. O país combinou controle político centralizado com abertura gradual ao mercado, tornando-se, em poucas décadas, a segunda maior economia do mundo. Hoje, a China disputa diretamente com os Estados Unidos não apenas o protagonismo econômico, mas também tecnológico, geopolítico e militar.

Enquanto os Estados Unidos mantêm sua influência através de alianças históricas como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na supremacia no setor financeiro e no domínio de cadeias produtivas globais, a China vem ampliando sua projeção por meio da ‘Nova Rota da Seda’ em um ambicioso projeto de infraestrutura e comércio que conecta Ásia, África e Europa.

Além disso, a China lidera em áreas estratégicas, como a produção de semicondutores, a expansão da inteligência artificial e a corrida pelo 5G, posicionando-se como rival direto de Washington. O embate entre essas duas potências vem tendo reverberações em todo o globo. No campo militar, os Estados Unidos ainda detêm o maior orçamento de defesa do mundo e bases militares espalhadas em diversos continentes.

A China, por sua vez, acelera a modernização de suas forças armadas, especialmente no Indo-Pacífico, onde busca firmar sua influência em regiões disputadas, como o Mar do Sul da China e Taiwan — ponto sensível de tensão com Washington. No aspecto político-diplomático, os Estados Unidos continuam sendo referência para democracias liberais, mas sua imagem internacional vem sendo questionada diante de crises internas e de ações intervencionistas em diferentes países do mundo.

Já a China procura projetar uma narrativa de alternativa ao modelo ocidental, apostando em parcerias estratégicas no Sul Global e em blocos como os BRICS – fórum de cooperação entre um grupo de grandes economias emergentes, fundado pelo termo criado em 2001 pelo economista Jim O'Neill para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, os quais buscam hoje fortalecer uma ordem multipolar.

A disputa entre Estados
Unidos e a China, portanto, não é apenas pelo domínio econômico, mas pelo futuro da governança mundial. Trata-se de um confronto de modelos. De um lado, a tradição liberal-

democrática, ainda que abalada por contradições. De outro, um sistema autoritário de partido único, que combina crescimento acelerado com rígido controle político. O resultado desse embate será decisivo para definir o século XXI.

Se, no passado, o mundo viveu sob a lógica da bipolaridade EUA-URSS e, em seguida, sob a hegemonia unipolar norte-americana, hoje o cenário aponta para um equilíbrio instável, onde a ascensão chinesa desafia diretamente a ordem internacional estabelecida. Sendo assim, a questão que permanece é se esse confronto evoluirá para uma coexistência competitiva ou para uma ruptura mais drástica, com impactos imprevisíveis para o futuro global.