Antonio Carlos Lua
Os séculos de colonização e eurocentrismo – que fizeram predominar no Brasil a centralidade e a superioridade da visão europeia sobre as outras visões de mundo com a imposição da cultura, língua, religião e valores do Hemisfério Norte – não conseguiram esconder a forte presença dos escritores negros Machado de Assis, Lima Barreto, Nei Lopes, Muniz Sodré, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves, Abdias do Nascimento, Silviano Santiago e o líder abolicionista, Luiz Gama.
Machado de Assis, por exemplo, usou 23 pseudônimos nos jornais para atirar petardos nas correntes políticas retrógradas e antiabolicionistas que atribuíram a ele maldosamente um falso embranquecimento.
Na mesma linha de Machado de Assis, o escritor Abdias do Nascimento denunciou o silencioso projeto de genocídio do negro brasileiro em diversos livros de sua autoria.
Morto, em maio de 2011, Abdias do Nascimento nadou contra a corrente do rio da mestiçagem do escritor Gilberto Freyre que, na sua obra “Casa Grande&Senzala, camuflou a memória do passado africano e negou a alteridade e a dignidade dos afrodescendentes.
Embora reconhecendo a contribuição africana para o Brasil, Gilberto Freyre suavizou os aspectos violentos da escravidão, destacando a miscigenação como um fator de harmonia e integração racial, minimizando o sofrimento dos negros, a violência e a crueldade da escravidão.
Gilberto Freyre deu, também, pouca atenção à resistência negra à escravidão, contribuindo, assim, para a construção de um mito de harmonia e democracia racial no Brasil.
Em contraposição a essa falsa ideia, o escritor Lima Barreto utilizou o jornalismo como arma de denúncia para a mudança da consciência nacional, desmascarando o preconceito para que a liberdade de viver dos negros não continuasse sendo limitada pelo racismo.
Denominado um país multiétnico, o Brasil esqueceu deliberadamente dos pioneiros autores negros e insiste em pintar até hoje um retrato ambíguo dos escritores e jornalistas afro-brasileiros que, pela cor da pele, tiveram acesso limitado ao ensino e se tornaram autodidatas, adquirindo conhecimento de forma independente.
Pobre, negro e epilético, Machado de Assis, por exemplo, enfrentou enormes dificuldades em condições completamente adversas para que se tornasse, ainda em vida, um dos mais célebres escritores brasileiros de todos os tempos.
Outro escritor e jornalista que também sofreu com o racismo foi Lima Barreto que, a exemplo de Machado de Assis, pagou caro para levar adiante a sua carreira de jornalista e escritor.
Considerado um autor de subúrbio, ele sofreu discriminação racial, sendo acusado de tudo, inclusive de desleixo verbal e falta de profundidade psicológica.
Negro num Brasil eugênico, Lima Barreto testemunhou, aos 7 anos, a abolição da escravatura. Ele faleceu aos 41 anos – meses depois da Semana de Arte Moderna.
No livro “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, Lima Barreto denunciou a hipocrisia da sociedade brasileira, que relegou os negros ao campo dos subalternos. Ele combateu energicamente o mito da escravidão benigna, que de benigna mesmo não tinha nada.
Infelizmente, o olhar racista no Brasil persiste até hoje, ignorando e não reconhecendo o papel de muitos escritores e jornalistas negros com uma história diretamente associada à resistência protagonizada em mais de 400 anos de escravidão num país que – desde quando recebeu o primeiro europeu e se tornou uma colônia do Império extramarítimo lusitano – forjou modos de viver baseados na expropriação, repressão e desigualdade, insuflando um sentimento despótico no país.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou as leis mais progressistas para a proteção dos direitos humanos, mas, no entanto, continua persistindo um enorme fosso entre o espírito dessas leis e a efetiva implementação da legislação de combate ao racismo no país.
Mesmo com o arcabouço legal estimulado pela Constituição Federal, promulgada em 1988, o crime de racismo continua sendo tratado de forma inadequada no Brasil, onde o ódio racial contra a população negra existe desde que o primeiro navio negreiro aqui chegou.
É importante frisar que há uma ambiguidade presente no período pós-abolição. Hoje, não é negado aos negros o direito de serem livres, mas lhe são negadas condições dignas de vida, repetindo-se, muitas vezes, lógicas semelhantes à da escravidão com práticas racistas, sejam elas explícitas ou não.
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