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domingo, 5 de outubro de 2025

A humanidade está perdendo sua bússola moral


Antonio Carlos Lua 

O mundo vive hoje sob a égide de um sistema financeiro global que, ao expandir-se sem regulação, assumiu autonomia em relação aos princípios humanitários.

A concentração extrema de riqueza e a financeirização das relações sociais transformaram o capital em uma força que atravessa a economia, moldando políticas, conceitos éticos e normas civis, abrindo espaço para uma sociedade planetária marcada por profundas desigualdades, sofrimento em massa e uma bancarrota moral que compromete a dignidade humana. 

Dados contundentes evidenciam o fosso. Hoje, os 10% mais ricos detêm 76% de toda a riqueza global, enquanto a metade mais pobre da população mundial carrega apenas 2%. 

Em termos práticos, cerca de 3,8 bilhões de pessoas vivem com uma fração ínfima dos recursos disponíveis, enquanto uma pequena elite acumula fortunas inacreditáveis — muitas vezes geradas à custa da exploração de territórios, da precarização do trabalho e da extração predatória de recursos naturais em países pobres. 

Longe de ser nova, essa realidade foi agravada pela globalização neoliberal. Nações do Sul Global, outrora designadas como “em desenvolvimento”, seguem submetidas a lógicas extrativistas e a dívidas com instituições financeiras internacionais.

Em vez de apoio ao crescimento soberano, essas nações recebem políticas de austeridade que desmantelam serviços públicos e reduzem investimentos sociais, aprofundando dependência, pobreza e desigualdade.

Na África Subsaariana, mais de 40% da população vive com menos de US$ 2,15 por dia, segundo dados do Banco Mundial. Na América Latina, mais de 22 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza extrema, desfazendo décadas de avanços sociais. No Brasil, o IBGE aponta que mais de 70 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar.

Diante desse quadro, é legítimo afirmar que o capital, quando desprovido de responsabilidade social, assume feições tirânicas. Um sistema que deveria servir à coletividade transforma-se em uma estrutura de dominação, na qual a lógica do lucro se sobrepõe à vida. Assim, o trabalho humano é precarizado, a natureza é exaurida e o sofrimento torna-se invisível aos olhos de quem lucra.

Não se trata apenas de um problema econômico. Trata-se de uma crise ética e civilizatória. A financeirização da vida dita políticas públicas, molda decisões geopolíticas e redefine até mesmo os critérios de dignidade.

Assim, a humanidade está perdendo sua bússola moral com os pobres sendo reduzidos a estatísticas, tratados como externalidades do sistema e descartados como peças substituíveis com uma desumanização institucionalizada.

Ao permitir que o capital fuja do controle democrático e ignore os pactos de justiça social, o mundo aproxima-se de um ponto de inflexão. A desigualdade tornou-se uma ameaça existencial.

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, já alertou, em 2023, que a instabilidade social causada pela concentração de riqueza pode comprometer a sustentabilidade das democracias e do mercado global.

Para enfrentar esse desafio, não basta apontar apenas problemas. É preciso propor respostas claras, repensando a arquitetura econômica internacional, taxando grandes fortunas, coibindo paraísos fiscais, regulamentando o poder das grandes corporações tecnológicas e financeiras, além de reconstruir políticas públicas de base com foco em redistribuição de renda, equidade racial, inclusão de gênero e justiça climática.

Caso contrário, a tirania do capital continuará a sacrificar o bem-estar coletivo em nome de um crescimento que não distribui, não emancipa e não respeita a dignidade humana.

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