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domingo, 5 de outubro de 2025

Dimensões éticas da liberdade de expressãoA

Antonio Carlos de Oliveira

A liberdade de expressão tem sido amplamente debatida no Brasil contemporâneo, especialmente quanto aos seus limites e à sua inter-relação com outros direitos fundamentais, como a honra, a dignidade e os pilares da democracia. Trata-se de um tema que desperta intensas discussões, marcadas por posicionamentos divergentes sobre os possíveis excessos e restrições desse direito.

A Constituição Federal de 1988 consagra a lib
erdade de expressão como um direito fundamental, indispensável à dignidade da pessoa humana e ao funcionamento pleno do regime democrático. No entanto, como todo direito, sua aplicação não é absoluta. Ela encontra limitações no necessário respeito a outros direitos igualmente fundamentais, como a proteção à honra, à imagem e à integridade moral, além da vedação a manifestações que configurem discurso de ódio ou incitação à violência.

O debate sobre a liberdade de expressão é multifacetado e exige constante reflexão teórica e jurídica, pois envolve o desafio de compatibilizar direitos potencialmente conflitantes. A ponderação entre esses valores é imprescindível para assegurar tanto a livre manifestação do pensamento quanto a proteção de indivíduos e grupos sociais contra abusos.

A concepção da liberdade de expressão como um direito humano universal ganhou relevância no cenário internacional após a Segunda Guerra Mundial, com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Tal documento consolidou princípios jurídicos e filosóficos que foram desenvolvidos ao longo dos séculos, especialmente a partir do Iluminismo europeu e norte-americano do Século XVIII.

O Iluminismo – movimento intelectual caracterizado pela valorização da razão, da ciência e dos direitos individuais – estabeleceu as bases filosóficas da liberdade de expressão como elemento essencial para o progresso social. Autores como John Locke, Voltaire, Rousseau e Diderot defenderam que o livre debate de ideias era condição ‘sine qua non’ para o aprimoramento moral e político da sociedade.

Nesse contexto, a liberdade de expressão não apenas favorecia o desenvolvimento do indivíduo, como também era vista como instrumento de crítica social e de controle do poder político. A imprensa e, por extensão, o jornalismo moderno emergiram nesse cenário como ferramentas cruciais para a disseminação das ideias iluministas. O jornalismo passou a ser concebido como uma atividade de interesse público, orientada pela busca da verdade e pela função educativa.

Ao proporcionar acesso à informação, ele contribuiu para a formação de uma opinião pública crítica e participativa — valores centrais para os ideais iluministas. Assim, ficou estabelecida uma relação simbiótica entre o Iluminismo e o jornalismo. Ao valorizarem a razão e a liberdade, os princípios iluministas moldaram a atuação jornalística como prática comprometida com a objetividade, a imparcialidade e a responsabilidade social.

Por outro lado, o jornalismo se tornou um canal efetivo de divulgação e consolidação dos valores iluministas na esfera pública. Exemplos históricos ilustram essa interdependência.

Intelectuais como Voltaire e Diderot utilizaram a imprensa para contestar estruturas autoritárias e promover uma cultura de reflexão crítica. Essa prática contribuiu decisivamente para a transformação das instituições sociais e políticas, além de fomentar o pensamento ilustrado entre diferentes camadas da população. No cenário contemporâneo, o jornalismo segue desempenhando papel central na consolidação democrática, ao garantir o acesso à informação e estimular o debate público plural.

No entanto, para que essa função seja plenamente exercida, é imprescindível que a liberdade de imprensa — entendida como manifestação concreta da liberdade de expressão — seja efetivamente protegida e respeitada. Em síntese, a liberdade de expressão representa um pilar civilizatório construído historicamente, cuja importância transcende o campo jurídico e alcança dimensões éticas, filosóficas e sociais. Sua preservação – nos marcos do Estado Democrático de Direito – é essencial para assegurar uma sociedade plural, informada e participativa.

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