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domingo, 5 de outubro de 2025

Efeitos da globalização assimétrica


Antonio Carlos Lua

A distância entre as nações foi reduzida, mas a elite de super-ricos no mundo continua isolando-se cada vez mais, deixando claro que as injustiças não são naturais, mas cuidadosamente produzidas. A desigualdade entre os seres humanos aumentou vertiginosamente. Persistem grandes abismos. Os pobres são deixados para trás em todos os países. O aumento da desigualdade avança em espiral. A globalização assimétrica produziu efeitos em todo o mundo, atingindo inclusive os Estados Unidos, referência econômica no cenário internacional.

O resultado é uma corrida para baixo com a desigualdade sendo um desastre moral cada vez mais chocante. Os oito indivíduos mais ricos do mundo concentram riqueza equivalente ao patrimônio dos 3,8 bilhões de pessoas que formam a camada mais pobre da população mundial, ou seja, 50% dos habitantes do planeta. Os dados não surpreendem. É uma tendência progressiva e irrefreável. A cada dois dias surge um bilionário. As fortunas aumentam 2,5 bilhões de dólares por dia.

Os Estados Unidos integram a escalada de distorções, registrando uma desigualdade com efeitos devastadores em termos de desenvolvimento social e bem-estar coletivo. Para além das meras estatísticas sobre o Produto Interno Bruto (PIB), existem hoje nos Estados Unidos mais de 20 milhões de pobres, dos quais 13 milhões em pobreza absoluta, desprovidos de assistência, num empobrecimento brutal e generalizado.

Em vários indicadores de desenvolvimento social os Estados Unidos aparecem em posição desconfortável em relação a outros países considerados ricos – e, às vezes, lado a lado com nações em desenvolvimento, sendo considerado 40º do mundo em desigualdade, atrás de alguns países latino-americanos, como Chile e Costa Rica, mostrando uma incrível diferença no bem-estar entre os pobres latino-americanos e os norte-americanos com mais recursos. A expectativa de vida dos americanos sem educação superior é equivalente à dos cidadãos do Paquistão, Butão e Mongólia.

Os números sobre mortalidade infantil – dados de crianças que morrem por mil nascidos vivos – é outro indicador clássico que coloca os Estados Unidos no 44º lugar do mundo, com índices inferiores ao de Cuba, Bósnia e Croácia. A taxa de mortalidade infantil entre os norte-americanos é semelhante à de Togo, na África, e da Ilha de Granada, no Caribe. 

O bem-estar das crianças norte-americanas também é colocado em xeque quando são considerados indicadores de pobreza infantil. Um estudo do Unicef – que comparou a situação de crianças em 35 países de economia avançada – coloca os Estados Unidos no penúltimo lugar. O indicador de pobreza infantil relativa, que mede a porcentagem de crianças que vivem em uma família cuja renda – ajustada ao tamanho e à composição da família – é inferior a 50% da renda média nacional, registrando 23,1% das crianças norte-americanas nesta situação.

Desde o início do Século XXI, foi registrado nos Estados Unidos um aumento nos índices de mortalidade materna, cuja taxa passou de 17,5 mortes por mil nascimentos, para 26,5 óbitos com a mesma quantidade de nascimentos. No relatório mais recente da ONU sobre Drogas e Crime, os Estados Unidos aparecem com uma taxa de homicídio de 4,88 óbitos por 100 mil pessoas, o que o coloca o país em 59º lugar no mundo. Esse número contrasta com o de países europeus, como Áustria (0,51), Holanda (0,61), Canadá (1,68) e até a Albânia (2,28) e Bangladesh (2,51).

Os Estados Unidos sediam as melhores universidades do mundo. Mas isso não significa que a formação média dos americanos esteja à altura desses centros de excelência. No teste sobre a capacidade de leitura, entre aqueles que não haviam terminado o ensino médio, os americanos ficaram entre os cinco países com os piores resultados. Entre aqueles que completaram esse nível de estudos, o país ficou abaixo da média de todos.

Na avaliação das habilidades numéricas, os americanos ficaram consistentemente abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico nos três níveis educacionais estudados. Além disso, o país ficou na lanterna em dois níveis: entre os que não terminaram o ensino médio e aqueles que concluíram esta etapa.

Na União Europeia, a situação também é ruim, mas se tomada como um conjunto de países é menos grave que a dos Estados Unidos. Tratando-se de desigualdade, as nações europeias têm índices melhores que os EUA, mas socialmente insignificantes. Na China, a desigualdade é semelhante à verificada na África do Sul, com os 10% mais ricos ficando com 60% da renda. A Índia acumula diversos bilionários, mas continua sendo o país com mais pobres no mundo.

Não é uma coincidência o aumento da desigualdade no mundo. Ela é uma consequência das políticas do receituário neoliberal, palavra que se tornou uma arma retórica, uma ideologia que venera o mercado, desregula economias ao redor do mundo e nos afasta das coisas que nos tornam humanos.

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