Por
Antonio Carlos Lua
No
mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, que tem como data oficial 8
de março, é importante ressaltar que a luta do segmento feminino pelos seus
direitos tem natureza universal com esforços coletivos de todos os que se
preocupam com os direitos humanos.
A
História testemunha que nenhum ser humano sofreu tanta opressão e violência em
tão longo tempo como as mulheres, numa feroz exclusão do gozo das mais básicas
garantias, sendo elas estigmatizadas com os mais sinistros símbolos
desabonadores, negativos e hostis.
Os
registros históricos apontam que, por séculos, as mulheres foram equiparadas
por ascetas ao pecado, sendo consideradas instrumentos do diabo para propagar o
pecado mortal na Terra. Vistas como “bruxas” muitas delas eram queimadas num
castigo mortal.
No
século XVII, foram queimadas mais de um milhão de mulheres acusadas de
bruxaria. Mutiladas em países da África com a supressão do clitóris, censuradas
em países islâmicos onde são proibidas de exibir o rosto, subjugadas como
escravas e prostitutas em regiões da Ásia, deploradas como filha única por
famílias chinesas, são as mulheres que carregam o maior peso da opressão e
violência no mundo;
Na
antiguidade clássica e até muito recentemente, as mulheres eram excluídas da
cidadania, preenchendo uma categoria odiosa de pré-cidadãs ou cidadãs
incompletas dentro de um conceito de cidadania restritiva. Na antiga Grécia, as
mulheres, juntamente com os metecos (estrangeiros) e os escravos, não se
incluíam no raio de abrangência da cidadania.
Num
país instável e de terreno movediço como o Brasil, que vem negando ainda muitos
direitos às mulheres, a cidadania feminina não conseguiu ser um parâmetro
invariável da democracia, mostrando que esta ainda não foi plenamente
conquistada.
As
relações desiguais de poder em que estiveram e ainda estão implicados homens e
mulheres fogem às marcas de gênero para situarem-se no plano da violação dos
direitos fomentada pela injustiça cultural dos preconceitos, estereótipos e
padrões discriminatórios que constroem a identidade de homens e mulheres,
atribuindo-lhes diferentes papéis na vida social, política, econômica, cultural
e familiar.
A
violenta desigualdade entre homens e mulheres nesse cenário injusto compromete
a democracia e penaliza a sociedade em todos os níveis de desenvolvimento.
As
injustiças e estereótipos presentes no Brasil impedem as mulheres de exercer
suas liberdades, fazer suas próprias escolhas, controlar os próprios corpos e
as próprias vidas e de participar de decisões que definem o curso da sociedade,
da mesma forma que os homens fazem.
Embora
as mulheres estejam reagindo para mudar o atual cenário, buscando suas vozes e
reunindo sua coragem contra aqueles que agem de maneira predatória contra o
segmento feminino com velhas e novas práticas – visíveis e invisíveis – a
realidade desse segmento ainda está muito aquém do ideal normativo e do marco
constitucional adotado pelo Estado.
Até
mesmo quando as proteções e garantias legais se fazem presentes, os braços do
Estado no Brasil não são suficientemente longos para neutralizar as profundas
tradições culturais que continuam relegando as preocupações das mulheres à
esfera privada. Os papéis tradicionais de mulheres e homens no Brasil estão ainda
tão entranhados que a implementação de leis que desafiam a subordinação
“naturalizada” das mulheres tornou-se um desafio crítico no país.
Como
fruto da sua luta, as mulheres alcançaram grande visibilidade social, que se
traduziu em importantes avanços. Porém, é importante ressaltar que mesmo com as
conquistas alcançadas é necessário uma constante vigilância, uma vez que no
Brasil um longo caminho ainda separa a lei da realidade.
Desigualdades
de gênero, classe, raça e etnia ainda permeiam a sociedade brasileira, que
precisa estar cada vez mais consciente dos mecanismos legais e das políticas
disponíveis para a efetivação dos direitos das mulheres, que precisam
fortalecer sua agenda política e as mobilizações reivindicatórias.
Enquanto
o Brasil não aprimorar suas políticas sociais, os obstáculos que inviabilizam o
pleno exercício da cidadania das mulheres continuarão criando impasses de
difícil superação.
Pertencer
à espécie humana deveria ser o único critério para a titularidade de direitos
humanos. No Brasil, entretanto, não existe uma justaposição entre ser humano do
ponto de vista biológico e ser sujeito de direitos. O critério de sexo no país
vem demarcando a menos valia das mulheres traçando, assim, um caminho de menor
titularidade.
A
escassa participação da mulher brasileira em esferas do poder político vem
ecoar a ausência secular dos espaços de decisão na vida política e civil em
condições de igualdade com os homens. No Brasil, os conceitos normativos
relacionados a gênero não se modificaram. Os livros do passado e do presente
seguem utilizando uma linguagem masculina, ocidental e branca. Os debates de
gênero ocupam um lugar marginal nos livros, sendo um fator para aniquilar
direitos.
Entretanto,
há de se reconhecer que mesmo privadas, ao longo dos séculos, do exercício
pleno de direitos e submetidas a abusos, as mulheres têm exercido papel
relevante na ampliação dos seus direitos, com a consciência de que o avanço da
participação feminina nas esferas da vida social e política são meio de
construir uma democracia mais justa, mais fraterna, mais humana.
Cada
vez mais surgem pautas de reivindicações de mulheres para garantir o efetivo
combate à violência de gênero e à igualdade em representatividade política, no
mercado de trabalho e no tratamento social. O avanço dessas demandas tornou
possível a realização de tratados para levar nosso país a alcançar um padrão
mínimo de direitos das mulheres.
Apesar
disso, há ainda muita coisa a resolver quanto à essa questão no Brasil, que é o
quinto país que mais mata mulheres no mundo. A indignação temporária e
legislações passageiras não são suficientes para a eliminação da violência de
gênero. O correto é buscar uma solução apropriada para assegurar a aplicação
das sanções pertinentes pelos crimes baseados no gênero.
Continuar
virando as costas para o que acontece com as mulheres não é a resposta diante
da grande escala de violência e da devastadora violação de direitos do segmento
feminino. A solução do problema deve ocorrer dentro dos mecanismos do Estado
Democrático de Direito, com a premissa de que homens e mulheres se equivalem em
direitos e obrigações.
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