Por Antonio Carlos Lua
Torna-se cada vez mais intensa na Justiça brasileira a presença de um ator, que – embora não sendo parte no processo – pede para ser ouvido nos julgamentos de grande repercussão, visando oferecer aos tribunais informações importantes sobre questões complexas cuja análise ultrapassa a esfera legal.
Trata-se do Amicus Curiae – o ‘Amigo da Corte’ – que se populariza a passos largos no Brasil e se insere no processo como terceiro, movido por um interesse maior que o das partes envolvidas inicialmente na ação, em virtude da relevância da matéria e de sua representatividade quanto à questão discutida, requerendo ao Tribunal permissão para ingressar no feito.
Seu papel é servir como fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis ou controversos, ampliando a discussão antes da decisão dos magistrados.
A função histórica do ‘Amigo da Corte’ é chamar a atenção dos tribunais para circunstâncias ou fatos que poderiam não ser notados, trazendo um leque de informações adicionais que possam auxiliar a análise do processo antes da decisão final.
Sua manifestação se faz na forma de uma coletânea de citações de casos relevantes para o julgamento, experiências jurídicas, sociais, políticas, argumentos suplementares, pesquisa legal extensiva, que contenham aparatos importantes para maior embasamento da decisão pelo Tribunal.
O objetivo dessa figura processual é proteger direitos sociais lato sensu, sustentando teses fáticas ou jurídicas em defesa de interesses públicos ou privados, que serão reflexamente atingidos com o desfecho do processo. O Amicus Curiae está previsto na legislação brasileira desde 1976, mais precisamente no artigo 31 da Lei 6.385/76.
Há divergências quanto à origem do ‘Amigo da Corte’. A doutrina é vacilante quanto a isso. Para alguns estudiosos, o surgimento do Amicus Curiae teve como precursor o Direito Penal Inglês ou o Direito Sueco, com o instituto do Ombudsman. Para outros, seu nascedouro se deu no Direito Romano, especificamente na figura do Consilliarius Romano.
No Brasil, muito se discute sobre a natureza processual do Amigo da Corte, sendo considerado ora como uma forma de assistência qualificada por parte de um órgão ou entidade com representatividade, ora como de intervenção especial.
O jurista Cássio Scarpinella Bueno diz que a qualidade do interesse que legitima a intervenção do Amigo da Corte em juízo afasta-o da assistência. Segundo ele, embora existam fortes semelhanças entre a assistência e a intervenção, há uma marcante diferença entre elas.
Enquanto a ação processual do assistente é de caráter egoístico, ou seja, em prol da tese sustentada pela parte que, uma vez vencedora, lhe acarretará benefícios, o Amigo da Corte labora no processo com espírito altruísta.
Já o jurista Fredie Didier Jr., por sua vez, diverge a respeito da parcialidade do Amigo da Corte, ao afirmar que ele não é um postulante, parte do processo com interesse específico em determinado resultado para o julgamento, o que não quer dizer que não possa ele, em determinadas situações, atuar com certa carga de parcialidade.
Ao tratar das modalidades de intervenção de terceiros, o novo Código de Processo Civil (CPC) introduziu o ‘Amigo da Corte’ como instrumento para possibilitar melhor discussão e estudo de causas controversas e relevantes de interesse de determinados segmentos sociais e da sociedade como um todo.
O entendimento é de que sua atuação não deve ser em favor de uma das partes litigantes, mas sim em prol do melhor esclarecimento das teses defendidas, com precedentes na jurisprudência, e principalmente sua repercussão no meio social em que a decisão judicial repercutirá.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem uma política de portas abertas à participação do Amigo da Corte. Cerca de 90% dos pedidos de entrada na ação são feitos por pessoas jurídicas. As campeãs são as associações (40%) e entidades sindicais (19%).
Também em pouco mais de 90% dos casos o pedido do ‘Amigo da Corte’ é feito em ações de controle concentrado de constitucionalidade. As Ações Diretas de Inconstitucionalidade são as preferidas do ‘Amigo da Corte’, concentrando 84% dos pedidos de ingresso na causa.
A base de dados do STF registra a atuação do ‘Amigo da Corte’ em centenas de Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas a partir de 1992. Quando há a presença de um ‘Amigo da Corte’ em uma ação no Supremo Tribunal Federal, as chances de ela ser admitida são 22% maiores do que quando não há um terceiro interessado na causa.
Nas ações julgadas procedentes, a proporção de casos com assistência do ‘Amigo da Corte’ é 18% maior do que os casos sem assistência. Nos casos julgados improcedentes a vantagem do Amicus Curiae é de 15%.
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