Antonio Carlos Lua
Desde 1824 – logo depois que se instaurou a independência, declarada, em 7 de setembro de 1822, pelo então regente do país, Pedro de Alcântara, que se tornou o primeiro imperador do Brasil, consagrando-se como D. Pedro I – vivemos um arranjo democrático, que perdura ao longo dos anos, passando pela monarquia e os períodos de regime republicano.
O Brasil nunca foi uma autêntica democracia no sentido original da palavra na língua do poeta épico da Grécia Antiga, Homero. Entre nós, o poder supremo, ou seja, a soberania, jamais pertenceu ao povo (demos).
Embora tenhamos uma Constituição Federal, muito bem-acabada, enquanto peça legal, um código político velado vem assegurando a dominação elitista na sociedade. Nem mesmo o processo constituinte que culminou na Carta Magna de 1988 foi capaz de romper com essa lógica.
Nossa construção democrática sempre caminhou com uma Constituição oficial, institucional, e outra ilegal, paralela, subliminar e não escrita, com a cooptação política da oligarquia nacional que, com a complacência de alguns partidos, se sobrepõe e solapa as regras democráticas.
No Brasil, a diferença entre o que está na lei e o que existe na prática não é de hoje, é de sempre. Encontramos no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, a declaração fundamental de que todo poder emana do povo que o exerce diretamente por intermédio de representantes eleitos.
Na verdade, o povo não tem poder algum no Brasil. Ele faz parte de um conjunto teatral, embora não sendo parte propriamente do elenco, mas ficando em torno do elenco. Toda a nossa vida política é decidida nos bastidores.
Para mudar isso não basta mudar as instituições políticas. É preciso mudar a mentalidade coletiva e os costumes sociais, que fazem com que o povo não saiba que democracia é um regime político em que ele tem o poder, em última instância, para decidir as questões fundamentais para o futuro do país, não somente elegendo os seus representantes, mas também tendo o poder de destituí-los.
Essa noção pouco clara de democracia é fruto de quase quatro séculos de escravidão. Quando Tomé de Souza desembarcou no Brasil, em 1549, trouxe o seu famoso regulamento de governo, no qual tudo estava previsto, mas faltando, porém, a coisa mais importante: a constituição de um povo.
Ao longo da história, o Brasil não conseguiu constituir esse povo. Isso porque o poder sempre foi oligárquico, ou seja, de uma minoria, fazendo-nos chegar ao Século XXI a uma situação de duplicidade completa.
A história mostra que nós nunca vivemos de modo republicano e democrático. O primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador, apresentou uma declaração que até hoje permanece intocável, ao dizer que “nenhum homem dessa terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, se não cada um do bem particular”.
Não existe a possibilidade de democracia sem que haja uma comunidade em que o bem público esteja acima dos interesses particulares. O chamado povão, as classes mais populares e humildes já trazem há séculos essa mentalidade de submissão.
Procuram resolver os seus problemas através do auxílio paternal de certos políticos ou através do desvio da lei. Vemos isso cotidianamente. No Brasil, o povo geralmente não se insurge contra uma lei considerada injusta, pois o costume é sempre desviar-se da proibição legal.
Essa mentalidade foi forjada por uma instituição política colonial, depois imperial e falsamente republicana, mas, sobretudo, pela vigência do sistema capitalista, que entrou em vigor no Brasil no ano do seu descobrimento.
O sistema capitalista tem essa característica específica, com o poder sempre oculto e dissimulado. Os grandes empresários, por exemplo, dizem que não são eles que fazem a lei, mas, na verdade, são eles que fazem o Congresso Nacional. São eles que dobram os presidentes da República.
Enquanto isso, o povo continua não tendo a menor participação, ainda que reduzida, no exercício da soberania. Isso acontece desde a proclamação da República, quando ele assistiu bestializado a tudo o que acontecia, talvez imaginando tratar-se de uma parada militar, como descreveu o jurista, jornalista e abolicionista no tempo do Império, Aristides Lobo.
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