Antonio Carlos Lua
Diante de uma das maiores crises políticas já enfrentadas no país, a tarefa mais urgente no momento é repensar o Brasil, revendo, com serenidade, consciência, lucidez e — acima de tudo — com conhecimento, nossa experiência nacional.
Esta é uma tarefa básica, fundamental. Temos de nos conhecer cada vez mais, em vez de ficar repetindo clichês falsificadores da nossa trajetória no tempo.
A crise política brasileira — que tem uma de suas raízes fincadas nos partidos políticos — é fortalecida pelas forças populistas que se convertem num rito vazio na hora da formulação das políticas públicas. Elas corroem a representatividade e fragilizam a democracia, ao dizer uma coisa e fazer outra, num jogo cínico e manipulador.
Essas forças retrógradas impedem que viremos a página para entrarmos no capítulo inaugural de uma nova cultura política e de um novo sistema de poder, construindo um país diferente, coisa que não interessa àqueles que tiveram a oportunidade histórica de dar o pontapé inicial nessa partida e não o fizeram por incompetência, rasurando o mapa político da democracia.
O que se defende de maneira rápida — mas nem por isso irrelevante — é a necessidade de configuração de uma política com a cidadania se constituindo como tendência à autorrepresentação, aposentando os velhos expedientes surrados e apodrecidos.
A mudança até agora não foi concretamente sinalizada, mas há uma reivindicação adormecida, não extinta, que mais cedo ou mais tarde, promete subir acesa ao centro do palco político nacional, para nos levar a repensar a sociedade e reinventar o Brasil como Nação.
Não estamos realmente encarando, em toda a sua complexidade, a experiência nacional, com a história oficial substituindo mentiras antigas por mentiras novas.
No quintal da política brasileira, as plantas crescem, mas não se sustentam. O agricultor remove as plantas e coloca novas mudas, mas o problema persiste, pois a terra não foi revolvida e o substrato continua comprometendo o pleno desenvolvimento da planta.
No quintal da política brasileira, as plantas crescem, mas não se sustentam. O agricultor remove as plantas e coloca novas mudas, mas o problema persiste, pois a terra não foi revolvida e o substrato continua comprometendo o pleno desenvolvimento da planta.
Vivemos uma crise política sem precedentes, que coloca em xeque todo o sistema político estabelecido. Nossos partidos se renderam à lógica do corporativismo. Eles não representam os interesses da sociedade e tão somente os seus próprios interesses.
A queixa não é apenas relativa à baixa qualidade da nossa atual representação política, que é, sobremaneira, entristecedora, com o deficit democrático. Na verdade, nós não temos partidos políticos. Temos partidos eleitorais — e só.
Muitos fatores parecem nos levar a um descolamento da realidade social, que culmina na falta de adesão da população aos programas partidários, uma vez que estes não procuram saída alguma para a crise nacional.
Os partidos não encarnam o interesse nacional e parecem querer tudo, menos pensar. O pensamento — principalmente, o pensamento livre, nada dogmático, nada subserviente a dogmas e princípios apriorísticos — virou uma espécie de maldição e é estigmatizado.
Nossas agremiações partidárias se acham infalíveis e nunca reconhecem os erros e nem os crimes gravíssimos que cometem contra a democracia e o povo brasileiro. Pairam acima dos mortais e falam sobre coisas reais numa linguagem que ninguém entende, sem nenhum sinal de autocrítica.
Estão em total desconexão com a realidade, com as pessoas, mas, mesmo assim, superestimam o seu lugar, sua força, em detrimento de uma leitura clara do real histórico político brasileiro.
Chegamos ao grau absoluto da redundância política e não vamos sair disso se não rediscutirmos impiedosamente as idiotices que fizeram o país alcançar tão nítido e espetacular fracasso no campo político-democrático.
Os partidos políticos brasileiros só toleram a democracia na medida em que possam controlar o aparelho estatal e, a partir de então, fazer o que bem quiser com a sociedade. Jamais lutam pela democracia e criam uma fantasia bem distante da realidade. Eles olham a democracia como instrumento de manipulação alienante.
Essa realidade aparece clara e escandalosamente na frente de nossas caras com a simbiose entre o público e o privado que reina soberanamente na política nacional. Exemplos extremos da promiscuidade entre o público e o privado não faltam no país.
Muita coisa aconteceu e vem acontecendo na história política do Brasil, O substrato político presente nos faz viver uma conjuntura de retrocessos, narrada no livro ‘Raízes do Brasil’, de autoria do jornalista, historiador e crítico literário, Sérgio Buarque de Holanda, que continua muito atual, fornecendo chaves de leitura para pensarmos sobre o vazio da política representativa que se vive no momento.
O contexto em que surge ‘Raízes do Brasil’ é a década de 1930. Desde lá, continua no ar a pergunta sobre o pacto político. No livro, Sérgio Buarque de Holanda chega a dizer que “a democracia no Brasil sempre funcionou como um lamentável mal-entendido”. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios.
Em um momento em que o Brasil passa por crises em distintas ordens – notadamente nos aspectos político, econômico e ético – a obra reveste-se de particular significado, propondo um outro olhar sobre nossa história, com uma interpretação original da emergência de novas estruturas políticas.
Por que continuamos a insistir nos erros que constituem esse mal-entendido apontado no “Raízes do Brasil”, quando este aborda aspectos singulares, próprios da organização sociopolítica do país? Como pensar — e construir — outra democracia no Brasil?
Não temos como desdobrar o futuro porque não possuímos dom premonitório, mas podemos afirmar que o Brasil está encolhendo cada vez no campo democrático e, por isso mesmo, deve ser rigorosamente repensado, dando-se início ao processo de reafirmação da ideia sobre o que é democracia.
O simples fato de repensar o Brasil colocará em pauta a reapresentação da ideia democrática em condições novas. Isso pode até parecer um discurso velho, antiquado, mas diante do que estamos vendo é extremamente atual como muitos célebres conceitos de Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil” sobre uma nova forma de fazer política no país.
Ou repensamos o Brasil de forma inovadora ou não haverá mais lugar para nós. Diante da incompatibilidade entre as doutrinas políticas e a realidade nacional, faz-se necessário organizar a desordem política no país.
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