Antonio Carlos Lua
A África já deveria está, há tempos, na ponta da língua dos brasileiros com a inserção do material didático "História e Cultura Afro-Brasileira e Africana" no currículo oficial da Rede de Ensino, em cumprimento à Lei 10639/03.
O material – disponibilizado pela Unesco – foi produzido com o objetivo de despertar o interesse pela literatura africana e, consequentemente, para a leitura dos escritores negros como Machado de Assis, Lima Barreto, Nei Lopes, Muniz Sodré, Paulo Lins, Ana Maria Gonçalves, Abdias do Nascimento, Silviano Santiago e o líder abolicionista Luiz Gama, primeiro escritor brasileiro a se assumir afrodescendente.
A presença do negro na literatura brasileira – escondida em séculos de colonização e eurocentrismo – embranqueceu Machado de Assis, a tal ponto que uma agência de publicidade contratada pela Caixa Econômica Federal ressaltou num comercial supostos traços caucasianos do escritor, que era negro e neto de escravos alforriados.
Carregando nas tintas, a agência de publicidade usou um ator branco para interpretar Machado de Assis na propaganda, onde o escritor aparece embranquecido. Internautas revoltados com o que consideraram racismo protestaram e conseguiram fazer com que a Caixa Econômica retirasse o anúncio do ar.
A verdade é que o Brasil – denominado um país multiétnico – esqueceu deliberadamente dos pioneiros autores negros e pinta até hoje um retrato ambíguo de figuras como a de Machado de Assis, que já foi acusado injustamente de agir com neutralidade na questão abolicionista.
Porém, os textos de Machado de Assis publicados nos vários jornais onde trabalhou como jornalista, contradizem o abstencionismo do romancista de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. O escritor usou 23 pseudônimos nos jornais para atirar petardos nas correntes políticas retrógradas e antiabolicionistas.
Por causa do preconceito racial, Machado de Assis teve acesso limitado ao ensino e se tornou autodidata. Pobre, negro e epilético, enfrentou enormes dificuldades em condições completamente adversas para que se tornasse, ainda em vida, um dos mais célebres escritores brasileiros de todos os tempos.
O embranquecimento do bruxo de Cosme Velho fazia parte do silencioso projeto de genocídio do negro brasileiro que viria a ser denunciado pelo escritor Abdias do Nascimento, morto em maio de 2011, nadando contra a corrente do rio da mestiçagem de Gilberto Freyre, que camuflou a memória do passado africano e negou a alteridade dos afrodescendentes.
Nenhum país passa pela escravidão impunemente. Autores como Lima Barreto e Machado de Assis pagaram caro por isso. Lima Barreto, por exemplo, sofreu discriminação racial e era considerado um autor de subúrbio. Foi acusado de tudo, inclusive de desleixo verbal e falta de profundidade psicológica.
Negro num Brasil eugênico, Lima Barreto testemunhou, aos 7 anos, a abolição da escravatura, mas morreu, aos 41 anos – meses depois da Semana de Arte Moderna – dependente de álcool e deprimido, após ser internado por diversas vezes em clínicas psiquiátricas.
Muito se fala do seu livro “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, mas, seis anos antes, em “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, Lima Barreto já denunciava a hipocrisia da sociedade brasileira, que relegou os negros ao campo dos subalternos. Ele combateu energicamente o mito da escravidão benigna, que de benigna não tinha nada.
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