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sábado, 1 de agosto de 2020

Mazelas da República


Antonio Carlos Lua

A atual conjuntura política nacional remonta ao Brasil da década de 1930, quando o historiador e jornalista Sérgio Buarque de Holanda escreveu o livro ‘Raízes do Brasil’, mostrando que o nosso país “é um campo em que as plantas crescem, mas não se sustentam". 

É uma obra que até hoje provoca muita polêmica, trazendo males históricos do  Brasil, não podendo, no entanto, ser vista como uma caixa de pandora. 

'Raízes do Brasil' é um clássico, um livro aberto, que tem sido recepcionado de forma diferente a cada geração, por analisar o Brasil abordando todas as tensões políticas que permeiam a nossa sociedade, desde o início da sua história.

Muita coisa aconteceu na história do Brasil desde o lançamento de ‘Raízes do Brasil’, em 1936. Entretanto, o livro ainda traz um substrato que nos fornece elementos para analisar e identificar no Brasil de hoje uma conjuntura semelhante àquela época. 

É por isso que é uma obra potente, fornecendo chaves de leitura e elementos importantes para analisarmos o vazio da política representativa que se observa atualmente. 

Quando o livro foi lançado havia no plano nacional uma pergunta no ar sobre o pacto político, ou seja, que forma de convivência nos era reservada por uma matriz cultural em que as relações pessoais se sobrepõem a qualquer forma objetiva de se pensar o espaço público.

Na obra, Sérgio Buarque de Holanda enfatizou que “numa terra em que todos são barões não é possível um acordo coletivo durável”. 

Para o historiador e jornalista, quando as relações de caráter pessoal prevalecem, os sujeitos ficam amarrados numa relação de compadrio que se constrói como a própria política. 

Getúlio Vargas – ex-presidente do Brasil, que cometeu suicídio, em 1954, durante uma intensa crise política – compreendeu isso ao erigir-se demagogicamente como figura paterna, como que preenchendo o vácuo de uma expectativa muito grande sobre um “provedor”, que desse conta das promessas não cumpridas da República brasileira.

Num plano mais global, o livro aborda um tema propriamente latino-americano e talvez mundial, ao discorrer sobre o papel do líder carismático, e como ele vem preencher o vazio da política representativa no enfrentamento dos seus próprios limites, sendo, porém, incapaz de amalgamar interesses e de fazer conviver civilizadamente as diferenças.  

É nesse aspecto que está a atualidade do livro “Raízes do Brasil” nos fazendo entender que com o tempo a crise de representação política se tornou um problema permanente na democracia, quando o ódio e as polarizações abrem terreno para o ressurgimento de agendas regressivas e extremamente  perigosas. 

Esse fato pode ser constatado atualmente no Brasil, onde os mecanismos da democracia são utilizados contra a própria democracia. A xenofobia, o racismo e o sexismo estão vencendo uma agenda mais inclusiva com sinais fortes de que entramos num momento de exaustão.

‘Raízes do Brasil’ é um texto em movimento e comprova que a permanência de oligarquias na República brasileira tem a ver com a manutenção de privilégios numa sociedade marcada pela origem escravista com a superioridade de uns em relação a outros. 

Embora seja uma evidência, essa questão continua sendo negada nos tempos atuais por aqueles que querem fazer tábula rasa da história do Brasil.

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