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sábado, 23 de março de 2024

O emblemático legado de José Saramago



ANTONIOCARLOS LUA

O saudoso escritor, romancista, poeta e tradutor, José Saramago (1922/2010), agraciado, em vida, com o Prêmio Nobel de Literatura (1998) e o Prêmio Camões (1995) – ambos de reconhecimento internacional – completará, em 18 de junho deste ano, 14 anos distante do mundo terreno da literatura. 

O escritor – que também era jornalista com atuação em veículos de imprensa como comentarista político – iniciou sua atividade literária em 1947, com o romance “Terra do Pecado”. Em 1980, alcançou notoriedade com o livro “Levantado do Chão”. Anos depois o sucesso se repetiu com “Memorial do Convento”.

Em sua trajetória na literatura, Saramago procurou destacar o fator humano que se esconde por detrás dos acontecimentos mais díspares. Escritor produtivo, publicou diários, romances, contos, peças teatrais, crônicas e poemas, eivados de aflição intelectual, de inconformismo, de denúncia e de insaciável fome de justiça social. 

Em 1980, alcançou notoriedade com o livro “Levantado do Chão”. Anos depois o sucesso se repetiu com “Memorial do Convento”. O seu reconhecimento na literatura veio com o controverso romance ‘O Evangelho segundo Jesus Cristo’, no qual ele mergulha profundamente em assuntos teológicos.

Mesmo sendo ateu, Saramago se mostrou imerso numa cultura moldada pela ideia de Deus, impregnada no DNA da civilização Ocidental. Era apaixonado pela Teologia e pelos personagens bíblicos em geral.

Apesar do ateísmo, ele conhecia a ideia de Deus. Isso o seduzia fazendo com que produzisse as melhores páginas da literatura universal contemporânea, se comportando como se fosse uma espécie de quinto evangelista, dando sua versão para os fatos, por meio da ficção. Intelectual considerado sem nenhuma admissão metafísica, José Saramago escreveu até os últimos anos de sua vida, assinando obras de grande relevância.

Partidário convicto do pessimismo antropológico – mas profundo conhecedor do espírito humano – partia do princípio de que nós, como seres humanos, não somos bons e não temos coragem de reconhecer isso. 

Na trama do livro ‘Ensaio sobre a Cegueira’ – um de suas obras mais conhecidas, adaptada para o cinema, em 2008, pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles – ele afirmou que a espécie humana não melhorou sequer minimamente, com o mundo dos cegos abrindo o caminho para o mundo dos bárbaros.

José Saramago se preocupou com a realidade de seu tempo e, não obstante à sua visão distópica do mundo, nos ajudou a refletir sobre o comportamento humano, especialmente nos momentos mais complexos e imprevisíveis da vida. Com sua visão humanista, relançou, em janeiro de 2010, o livro “A Jangada de Pedra”, direcionando toda a renda da edição para as vítimas do terremoto no Haiti.

Polêmico e contundente em suas críticas, Saramago comparou – em 2002 – a situação nos territórios palestinos com o campo de concentração nazista de Auschwitz, durante um encontro entre a

delegação de membros do Parlamento Internacional de Escritores e o ex-líder palestino, Yasser Arafat, em Ramallah. Até hoje, não faltam a admiradores a José Saramago. Ele reinventou a literatura do Século XX e converteu-se em uma espécie de herói das letras lusófonas.

Escritor raro com uma obra extensa, adotou um estilo singular na produção de suas obras, carregadas de ideias e reflexões, com muitas vírgulas, ausência de aspas e longas digressões filosóficas.

O seu legado comporta dimensões e um alcance raros, para além da sua obra literária. Num tempo em que nos defrontamos com crises e ameaças que põem em causa o futuro da Humanidade, sua obra revela-se importante nos planos social, ideológico, político e ético. Os romances, contos, peças de teatro e poemas de José Saramago tornam o poeta português uma referência para o presente e para o futuro.

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